Aplicação do espírito e da letra da Lei
O que são contratos de associação com as escolas privadas? São contratos que financiam turmas de escolas privadas que se localizam em áreas carenciadas de rede pública escolar (como estabelece a Lei de Bases do Sistema Educativo).
A lei tem várias décadas e a necessidade de recorrer às escolas privadas é muito pouco expressiva. Existem no país 2628 escolas privadas e o Governo financiará turmas em apenas 40 dessas escolas. Ou seja, há (poucos) locais onde a rede pública não consegue acolher todos os alunos, por isso o Estado tem de financiar turmas nas escolas privadas mais próximas, para garantir que nenhum aluno deixa de frequentar a escola.
Na verdade, vários Governos implementaram mal a lei e criaram falsas expectativas às escolas privadas, uns receando protestos, e outros, como o anterior Governo CDS/PSD, por apoiarem o aumento de negócios privados em serviços públicos essenciais, como a educação.
Os contratos são atualizados anualmente e este ano não foi exceção. O Governo atual decidiu respeitar os contratos assinados pelo Governo anterior (que já só financiou turmas em 79 escolas), apenas alterou as turmas que financiará no início dos ciclos com o dinheiro dos contribuintes, o que não impede nenhuma escola privada de abrir mais turmas, nem um aluno/pai de optar pela escola privada que entender.
Mas o tema teve mais mediatismo este ano, porque o Governo decidiu (e bem!) apreciar a legalidade e a racionalidade financeira de alguns casos que desde há muitos anos estavam sob suspeita de constituírem financiamento redundante por parte do Estado.
Ao longo dos anos identificaram-se irregularidades, como turmas que inesperadamente não abriam no público para se conseguir formar turmas no privado; transferências de alunos de 1º ciclo para sobrecarregarem escolas públicas de outros ciclos; Cartas Educativas dos concelhos adaptadas a interesses privados; escolas com “mensalidades”, mesmo quando têm as turmas financiadas pelo Estado; abuso de protocolos entre colégios e autarquias; algumas escolas que enriqueceram com esquemas pouco transparentes foram até alvo de buscas judiciais.
Desta vez, para credibilizar o processo, com a colaboração de várias entidades (como as Direções das escolas públicas), fez-se um estudo que ponderou a existência de estabelecimentos de ensino público próximos dos privados com contrato de associação, o seu estado de conservação, a sua lotação, bem como o tempo de deslocação a pé e de carro dos alunos ou a existência de uma rede de transportes, entre outros fatores.
O Ministério da Educação explicou a poupança prevista com este processo, como uma oportunidade de aumentar a Ação Social Escolar, de retomar obras suspensas ou de dar manuais gratuitos a todo o 1.º ciclo, incluindo ao privado. Isto é apostar na Educação, promotora de igualdade de oportunidades. Ponto.
Colégio de Calvão
O tema teve impacto em Vagos, pelo facto do Colégio de Calvão, que é propriedade privada da Igreja Católica, funcionar com um contrato de associação.
Em maio, quando o Governo ainda não se tinha pronunciado acerca da continuidade dos contratos de associação, o PS Vagos recolheu informações sobre o nosso concelho. Não sendo possível à escola pública (Agrupamento de Escolas de Vagos) receber todos os alunos do concelho, apoiou a continuidade do contrato de associação do Colégio.
Entretanto, o Governo achou o mesmo e decidiu manter o contrato com o Colégio, que foi uma das escolas da região que menos cortes sofreu. Receberá financiamento para menos 3 turmas, porque as escolas públicas mais próximas informaram que tinham vontade, qualidade e capacidade instalada para receber mais 3 turmas.
Neste contexto, considero que o resultado deste processo é positivo, mas são grandes os desafios que o Colégio tem pela frente, pois as turmas que recebem financiamento estatal terão de incorporar alunos exclusivamente de freguesias de Vagos – um concelho que não se mostra atrativo, como se comprova pela estagnação do seu número de habitantes. Mas o Colégio será capaz de abrir turmas sem as mesmas condicionantes, captando alunos através de um projeto educativo diferenciador. Para além disso, o Colégio optou por crescer muito em termos infraestruturais e tem um corpo docente, devendo rentabilizar esses recursos e desenvolver todo o tipo de projetos.
Por outro lado, como os contratos de associação são apreciados anualmente, convém nunca esquecer as irregularidades que também motivaram a intervenção deste Governo e preservar um comportamento ético e regular. Talvez haja dados que o Colégio deva apresentar, nomeadamente sobre alunos de outros concelhos (em zonas de fronteira) que ficam mais próximos do Colégio ou a existência de pais que trabalham no nosso concelho (conveniência de levar/trazer os filhos) e que residem noutro.
Importa ainda notar que as pessoas têm todo o direito a defender o seu posto de trabalho, no entanto, há comportamentos que não abonam a favor do Colégio – a arrogância e as posições extremistas não são boas parceiras da imagem da instituição. Assim como não é positiva a sua integração num movimento de educadores que se manifestam com muita falta de educação. É extensa a lista de comportamentos ignóbeis deste movimento de escolas privadas. Resta apelar a mais contenção e lucidez para não aumentarem mais o seu descrédito.
Artigo de Opinião de Bruno Julião publicado no jornal O Ponto
Professor e Especialista em Assuntos Europeus
Presidente do PS Vagos